Um dos últimos livros que li em 2013 foi Por que virei à direita - três intelectuais explicam sua opção pelo conservadorismo, que reúne 3 ensaios dos direitistas Luíz Felipe Pondé, João Pereira Coutinho e Denis Rosenfield. Segundo o que me diz a orelha do livro, a obra é inspirada na publicação americana “Why I turned right”, organizada por Mary Eberstadt. A versão brazuca começa com um interessante prefácio de Marcelo Consentino, que pode ser contado como o primeiro de 4 textos sobre o assunto, e por isso também falarei dele. Cada autor possui um tom e estilo ao abordar suas razões. Vamos a elas.
Prefácio: Quase irmãos - Marcelo Consentino
Ensaio 1: Dez notas para a definição de uma Direita - João Pereira Coutinho
Evidentemente, não entregarei as dez notas do jornalista e cientista político português, mas falarei delas “por cima”. Coutinho aponta para a desumanidade escondida no amor exagerado à humanidade, que faz alguém com Rousseau conciliar a preocupação com o destino do homem e o abandono da própria família. Para ele, neste falso amor está contido o problema da esquerda, mas garante: melhor um esquerdista moderado do que um direitista radical.
Coutinho retoma Michael Oakeshott e seus conceitos de “política de fé” e “política de ceticismo”, sendo fé a crença na perfectibilidade, no governo da salvação, e ceticismo a certeza das nossas contingências, de um governo do possível. Com base em Aron, afirma que a fé em política resulta em uma religião secular. E ainda sobre isso, convoca o Power Ranger vermelho da direita, Edmund Burke, que, genial e resumidamente, disse algo como: "gente, não podemos ser perfeitos" (interpretação minha). A razão nos serve de instrumento para melhorarmos a realidade, mas nunca irá nos libertar das desgraças da vida.
Outro autor caro a Coutinho é Isaiah Berlin, que explanou a incoerência da utopia: ela nos encerra num plano de questões realizadas, já concluídas, quando, na verdade, em nosso entorno existe uma rivalização entre valores incompatíveis. Liberdade, fraternidade e igualdade totais só realmente nesta realidade utópica.
Para Coutinho, é importante ser pluralista, mas com limites, claro: o multiculturalismo não reconhece as coisa grandes e imutáveis e assim cai banalmente no relativismo. Há valores primários aos quais os valores secundários devem se submeter. Para mim, aqui está uma chave para entender o pensamento conservador: a pressuposição desta "hierarquia" dos valores, que precisa ser reconhecida e respeitada. Na prática, o Estado não deve ser entendido como meio de salvação, mas, como afirma Coutinho, um meio prático e com papel restrito, mínimo. Por isso, estar no espectro direitista é entender que a posição política é sempre circunstancial.
Ensaio 2: A formação de um pessimista - Luís Felipe Pondé
Pondé optou pela autobiografia intelectual para explicar suas razões. Ele conta que nasceu numa família afeita às questões relacionadas a Deus e o ateísmo. Com isso, o sentimento de abandono e solidão marcaram seus primeiros anos.
Estudou em colégio jesuíta, onde aprendeu a respeitar a Igreja Católica, depois estudou medicina, e, ao se deparar com a dupla Freud e Lacan, resolveu pousar na filosofia. Ao passar pelo teatro e montar algumas peças, percebeu, no contato com os outros, que algumas pessoas são mais capazes, e a elas caberiam os papéis mais duros e decisivos. Há pessoas ruinzinhas, preguiçosas, e, se são de esquerda, “valem-se de uma série de argumentos para justificar sua preguiça e mediocridade”. A experiência o fez concordar, mais tarde, com a sacerdotisa ateia da direita, Ayn Rand, cuja teoria da objetividade de valor é tudo menos sensível: são os inteligentes, corajosos e trabalhadores esforçados que promovem coisas boas, enriquecem o mundo de maneira geral, enquanto os preguiçosos, medíocres e covardes o empobrecem.
Depois, o filósofo, que já não era de esquerda, um “sartriano convicto”, foi para a USP, na condição de um “pessimista trágico”. Mas estudou a turma da revolução, gostou de Marx, e passou a ter obsessão com as coisinhas de esquerda, embora para ele a universidade está fadada - remetendo a Russell Kirk - ao fim, por agregar pessoas que só querem um bom salário e uma carreira acadêmica, sem se preocupar muito com a parada do pensamento e da pesquisa genuína. Gente tipo a que eu vou me tornar. Na faculdade, foi influenciado pelo ceticismo, que aponta para a falibilidade da razão, e por Nietzsche, que coloca a tragédia como “crítica ao medo da falta de significado da vida”. A partir dos gregos, também foi influenciado pelo acaso, que rejeita uma ordenação superior, tal como epicuristas e atomistas, e pela ética estóica que vê nobreza na tentativa de controle das paixões.
Seu foco no doutorado foi Blaise Pascal, pensador que Pondé claramente opõe a Rousseau, a persona, depois de Marx, mais non grata para a direita. Pascal, com sua visão de um ser humano caído pelas paixões e defeitos, oferece uma polaridade ao pensador suíço que compreende o homem como digno e perfectível. Aí está a bandeira que o conservador fixa na terra: a da necessidade de ser cético e pessimista em relação ao homem e a estrutura do mundo.
Pondé também exalta a Bíblia, claro, “o maior clássico da literatura ocidental”, mas como uma obra que expõe a condição humana e suas agonias, uma vez que não é cristão. Para ele, “neste livro empírico” está contida as consequências de se invejar Deus e a condição das misérias humanas que as utopias e o marxismo desejam negar. Para ele, a Bíblia fornece mais material para uma “ciência da moral” do que teorias esquerdistas posteriores.
Para Pondé e seu “patriarca” Pascal, o vazio humano nos força a criar enredos para mandar os demônios para a sombra. Porém, nossas paixões dominam a razão, de modo que as tentativas de guiamento dos povos para a salvação resultaram nos mecanismos de opressão no século XX. O ceticismo deve rejeitar a liderança da razão e tomar um certo hábito de ajustar o conhecimento. Tal posição filosófica, assumida por David Hume, ecoa no humeano Oakeshott e ofereceu a Pondé a tradição política que mais se encaixou em seu pensamento.
Ele também acredita em um compromisso que existe entre os vivos e os que não nasceram. É o que Edmund Burke chama de "contrato social de almas". Claro, "almas de modo metafórico", diz o Pondé ateu. Do pensador inglês ele também toma o conceito de little platoon, segundo o qual o homem é formado em uma família e não em comunidades políticas, utópicas, abstratas. De Alexis Tocqueville veio seu entendimento básico de democracia como sistema da maioria, mas "a maioria constituída de idiotas" (afirmação basilar de Nelson Rodrigues). Ela não nos garante liberdade, mas a possibilidade da existência de pesos e contrapesos e dos little platoons, que, esses sim, nos colocam em um estado mais livre.
Segundo Pondé, também é fundamental o entendimento de que tomar o homem como "produto do meio" nos torna inúteis e inocentes. Cita Dostoiévski sobre sermos antes morais que políticos, o que exige certa responsabilidade pelos nossos atos: culpar a realidade por escolhas erradas é tender ao mau-caratismo típico da esquerda.
Caminhando para sua conclusão, Pondé chama a historiadora Gertrude Himmelfarb, que opõe um certo iluminismo das virtudes, de matriz britânica, a um iluminismo da razão, típico dos franceses. Esta "sociologia das virtudes" acusa o amor à humanidade abstrata, de um Rousseau que odeia seu semelhante. A vertente britânica, filha do empirismo inglês, não tenta eliminar a responsabilidade moral do homem, mas tomá-lo em sua concretude para criar uma política possível. E eis, na minha opinião, outro ponto-chave para entender a dinâmica entre esquerda e direita em nosso país: é a França idealizada contra a Inglaterra idealizada.
Pondé então conclui que é conservador por ser empirista e cético, porque pensa como o iluminista das virtudes que falava Himmelfarb. Ou, nas próprias palavras: “Penso como um britânico”. Que homem chique!
Ensaio 3: Esquerda na contramão da história - Denis Rosenfield
Rosenfield responde de maneira direta: virei à direita porque a esquerda está na contramão da história. O filósofo aborda a questão de um ponto de vista pessoal, o que certamente torna o texto mais interessante para muitos leitores que rejeitam as abstrações teóricas dos velhinhos reacionários trazidos por Coutinho e Pondé.
Rosenfield vai para suas memórias e se lembra de quando o filósofo francês Cornélius Castoriadis visitou Porto Alegre, durante a famosíssima gestão de Olívio Dutra, na qual Tarso Genro era vice-prefeito. Na época, o Partido dos Trabalhadores propagandeava o Orçamento Participativo, este grande oásis dos que depositam fé na democracia moderna. No encontro, Rosenfield se surpreendeu com uma mulher que reivindicava, de maneira firme, as questões do seu bairro. Para ele, aquilo demonstrava a possibilidade verdadeira da democracia direta, a evidência de que este modelo é plenamente realizável. Para mim, que conheci e cresci vendo o PT no Governo Federal, articulando ao seu modo e sendo dilapidado pelas críticas, soa até estranho este clima fofo de "juntos podemos mais" ou até "caminhando e cantando e seguindo a canção".
Porém, não há utopia de esquerda que resista à decepção de uma pessoa. Com o passar dos anos, Rosenfield se desenganou ao ver o desenrolar do método petista. Ao chegar ao Executivo, o PT passa a aparelhar o estado e nutrir as estranhas relações com os camaradas do continente. Estreitos laços com Fidel Castro, apoio à política de Chávez, subscrição ao tal “socialismo do século XXI”, entre outras peripécias. O autor afirma que há muitos subterfúgios e malícias no método destes governos, que usam eufemismos para empurrar intenções reais, comunistas, claro, como “democratização dos meios de comunicação”, termo aceitável para a censura pura e simples.
Rosenfield, relata como a gestão petista no Rio Grande do Sul se tornou bem vista, como uma esperança aos socialistas. O partido consegue sediar o Fórum Social Mundial, que atraiu olhares esperançosos para esta nova forma de fazer política. Intelectuais franceses - sempre eles! - se interessavam e procuravam entender o que se passava com a gauche gaúcha. Para Rosenfiled, apenas um sistema que, no final das contas, só existe para petistas: a turma que demanda em um Orçamento Participativo também é a turma que atende. Tudo entre companheiros que simulam uma representação real.
O escritor ressalta o perigo de tomar o partido como governo e, por consequência, como Estado. E o totalitarismo, para remeter a Hanna Arendt, é uma ideia presente tanto no nazismo como no comunismo. Impossível não se lembrar de Hobbes, com seu Estado-Leviatã, que seria um aglutinador de interesses, mas que nunca integraria as liberdades individuais como fator imprescindível para uma convivência plena. Para Rosenfield, a noção de bem está mais atrelada ao indivíduo, em oposição ao ente estatal como um "absoluto" em termos de moralidade, algo apregoado pela teleologia de esquerda. E desde o fim da URSS isto está mais evidente: o capitalismo se revitalizou e o Estado como fonte moral se esvaziou.
A posição de Rosenfield é clara: é na força de um Estado definidor dos destinos que consta o perigo. Para ele, ser conservador é nutrir um ceticismo que não é comum nos ambientes de esquerda. Virar à esquerda pode ser tentador, mas perigoso. “Cuidado com a sedução”, conclui o escritor.
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Dentre tantas publicações direitistas, que trazem os mesmos cacoetes de sempre, este livro pode proporcionar uma leitura diferenciada, tanto por conter opiniões de pessoa distintas, com abordagens distintas, como por trazer a forma do ensaio, que torna a leitura menos monótona. O livro pode ser útil principalmente para quem se coloca na porta de entrada da direita ou para opositores corajosos que querem compreender os caminhos comuns que levam alguém ao conservadorismo. Como já afirmei aqui no blog, não há um núcleo no pensamento direitista, como tem a esquerda com seu anseio pelo “mundo novo”. Por isso, para compreender a direita é necessário ler o direitista em si. Ademais, a obra pode ser uma simples introdução ao pensamento conservador.
O livro surge na esteira de um "despertar" da direita, marcada pelos eventos estrambólicos de junho de 2013. A linguagem direta facilita a leitura, e talvez aí esteja um dos segredos deste "direitismo editorial". Enquanto os estudantes precisam mergulhar no emaranhado teórico da esquerda acadêmica, normalmente a francesa, os textos objetivos e acessíveis da direita mercadológica, apaixonada pelos ingleses, estão cada vez mais presentes nas prateleiras das livrarias.
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